USAID e o Cavalo de Troia

Agentes não-estatais disfarçados de ajuda humanitária

FILOSOFIA

Ronaldo Bastos

3/12/20253 min read

Na Ilíada, poema épico escrito por Homero, cuja trama retrata a guerra entre gregos e troianos, a batalha final é marcada pela audaciosa estratégia grega que se consagrou na história dos conflitos pela alcunha de Cavalo de Troia. Nela, os gregos simularam uma completa debandada das praias troianas, onde deixaram um cavalo monumental de madeira, o qual os troianos acreditavam ser um presente dos gregos (donde veio, inclusive, a expressão “presente de grego”).

Ao transportarem o suposto presente para dentro dos intransponíveis muros da cidade, os troianos selaram sua sentença de morte. Ao anoitecer, quando as ruas da cidade estavam praticamente vazias, os gregos saíram de dentro do enorme cavalo de madeira e empreenderam uma ofensiva que arrasou toda a cidade e destruiu um dos reinos mais promissores da Magna Grécia, em retaliação a uma pueril aventura amorosa.


Em que pesem as motivações para conflitos em geral, passados alguns séculos, o fato é que a guerra hodierna tem adotado uma dinâmica bem arrojada e excêntrica, caracterizando-se pelo alto grau de hibridização. Em outras palavras, significa dizer que a guerra abdicou do convencionalismo e rigidez, para se tornar mais flexível, adaptável e volátil, permitindo uma infiltração em diversos campos da atividade humana, em particular no campo cívico-social, atuando de forma não violenta no seio do Estado.


Neste contexto, vale destacar que a estratégia grega, embora seja antiga, não foi abandonada. Todavia, ao invés de chamarem a atenção com artefatos monumentais, uma das táticas atuais é infiltrar agentes não-estatais numa zona de interesse, disfarçadas de toda sorte de ajuda humanitária ou ambiental. Para a maioria da população, tais agentes são benéficos no que tange à redução dos índices de pobreza, para o fortalecimento das democracias e proteção do meio ambiente. Entretanto, elas se aproveitam da ignorância e ingenuidade de tais populações, assim como da natureza velada do seu modo de agir, para atuarem livremente obstando projetos auspiciosos de desenvolvimento, muitas vezes com a anuência das autoridades locais.


Recentemente, se tornou público nos noticiários o escândalo da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional – USAID. Sobre essa agência, supostamente subordinada a CIA, recaem inúmeras acusações, dentre as quais a de financiar a censura em diversos países, por meio do financiamento dos meios de comunicação; intervenção externa, desestabilizando a política ao redor do mundo e apoiando golpes de Estado; e, ainda, intervenção na educação de outros países, promovendo um alinhamento ideológico aos interesses da elite dominante.


Diante de tal fato, fica evidente o uso dissimulado de agentes e instituições não-estatais como força de desestabilização dos Estados-Alvo, num ataque frontal às soberanias nacionais. Essa natureza vil da guerra híbrida, utilizada desde os tempos homéricos e que também ludibriou os troianos com o presente grego, é utilizada até hoje como estratégia militar aplicada no âmbito cívico-social.

A ausência de espaços que tratem de tais temas e proporcione a capacitação da população civil a identificar tais ataques, a mais afetada por esse tipo de guerra suja e rasteira, contribui para a manutenção do atual estado de coisas, no qual a desagregação interna e a falta de um projeto robusto de nação, nos mantenham nesse estado caótico e quase anárquico.


Portanto, urge um movimento filosófico de vanguarda, que atue nesse campo estratégico, com o objetivo de blindar-nos dos “cavalos de troia” e ajudar a colocar o país no curso natural do seu destino, de potência hegemônica dos trópicos.